Reproduzimos este valioso artigo para todos aqueles que aproveitaram a queda do IPI para ficar de carro novo, nem tudo é alegria, a colonização continua muito bem disfarçada e quem paga o preço somos nós consumidores, reflitam !!!!
Joel Leite: Venda de automóveis zero bate recorde, ainda com margens de lucro astronômicas
publicado em 2 de julho de 2012 às 19:41
por
Luiz Carlos Azenha
Em 6 de agosto de 2011 o
Viomundo publicou um texto da repórter Heloisa Villela, que vive em Washington, no qual ela dizia
tomar susto com os preços que encontra quando visita o Brasil.
No corpo do texto ela mencionava reportagem que havia feito com o jornalista Joel Leite, do
Auto Informe, que também mantém o blog
O Mundo em Movimento.
Trecho:
O Honda City, fabricado em Sumaré, interior de São Paulo,
viaja até o México, paga frete, tem que dar lucro para a revendedora, e
tal. Bem, os mexicanos compram o carro pelo equivalente a R$ 25.800,00
enquanto os brasileiros desembolsam R$ 56.210,00 pelo mesmo modelo.
Pelas contas do Joel, tirando toda a carga tributária, o lucro das
concessionárias, e comparando com o preço no México, o fabricante tem um
lucro de quase R$ 15.000, por unidade, no Brasil.
Joel é autor de uma investigação que demonstra que os preços
astronômicos dos automóveis no Brasil não resultam apenas dos insumos
mais caros ou da carga tributária: são resultado, também, do que ele
batizou de
Lucro Brasil, ou seja, grandes margens de lucro praticadas pelas montadoras.
Falar em
Lucro Brasil é uma forma irônica de se referir ao chamado
Custo Brasil,
que empresários e jornalistas frequentemente usam para tentar vender
reformas neoliberais — a redução de direitos trabalhistas, por exemplo —
ou para justificar preços completamente divorciados da realidade.
O texto da Heloisa, mais uma reportagem que eu mesmo fiz sobre os automóveis brasileiros, que reproduzi
aqui, causaram animado — para não dizer furioso — debate entre os internautas.
O Fábio Passos, por exemplo, argumentou que parte
dos reclamos da Heloisa se devia à sobrevalorização do real. Sim, mas
nem sempre, como notou o
Luiz P, que respondeu:
“Acho que vc não entendeu a ideia do artigo. Lá diz que quando um
produto que custa, por exemplo, US$100,00 nos EUA, e por aqui chega a
R$500,00 é um caso de especulação. Cito o exemplo baseado em valores
concretos de tênis de corrida.
Vamos ilustrar com dois cenários:
1 – Real com valor considerado normal US$1,00 = R$2,50
Pelo câmbio o tênis de US$100,00 deveria custar aqui R$250,00. Então quando ele custa R$500,00 está pelo dobro do preço.
2 – Real hipervalorizado US$1,00 = R$1,60
Pelo câmbio o tênis de US$100,00 deveria custar aqui R$160,00. Então quando custa R$500,00 está mais de três vezes mais caro.
Isso mostra que produto estrangeiro absurdamente caro em um quadro de
supervalorização da moeda nacional só pode ser fruto de especulação
desenfreada. Nesse quadro os produtos estrangeiros deveriam estar mais
baratos. O que acontece por aqui é caso de polícia…”.
Tratando especificamente dos automóveis, destaco alguns comentários:
Marcelo de Matos disse que o problema é o cartel das montadoras;
Felipe atribuiu os preços à falta de concorrência;
Rodrigo aft disse que o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) não trabalha em defesa da concorrência;
Ricardo Alves
afirmou que falta ao brasileiro a paciência para pechinchar (ele mesmo
diz ter obtido um abatimento de 7 mil reais na compra de um carro zero);
Francisco Hugo afirmou que o fato de as montadoras terem suas próprias financeiras faz com que elas ajam também como ‘atravessadoras’;
Sergio Navas,
que conhece o ramo da siderurgia, alegou que o preço da tonelada de aço
laminado longo é de U$ 1.600 no Brasil, contra U$ 830 nos Estados
Unidos e U$ 750 na China;
Alexandra Peixoto destacou a concentração da cadeia produtiva no Brasil
e recomendou este artigo da economista Tânia Bacelar; o
David Bonis recomendou a leitura do artigo de Pedro Kutney, do Automotive Business, chamado
Os custos, os preços e os bobos.
Noir, num desabafo, disse que “os
governos que o Brasil teve ao longo de sua existência foram Governos que
governaram para os outros, notadamente os de fora”.
Disse mais:
Bem, sabemos que as coisas boas, somente são boas se
funcionam; assim o “capitalismo brasileiro”, transformou-se em um
“capitalismo de esgoto”, altamente explorador, selvagem, que não
contribui com sua sociedade. Nosso capitalismo é exatamente a “política
colonial ” empregada entre 1500 e 1900, extrativista. A diferença é que
antigamente se extraia o pau-brasil, ouro, prata, manganês, quartzo,
diamantes e no Brasil [de hoje] se extrai “dinheiro”.
O tom do desabafo da
Noir me lembrou muito o do jornalista
Lúcio Flávio Pinto, já que a ideia subjacente é a mesma: o Brasil como extraordinária fonte de lucros.
[Lúcio tratou do ritmo de exportação de minério de ferro de Carajás --
crime de lesa Pátria, segundo ele --, lamentou a exportação de energia brasileira embutida
em lingotes de alumínio destinados ao Japão e afirmou que
a Amazônia brasileira está sendo transformada em uma subcolônia -- primeiro, do Sudeste, depois de estrangeiros -- para exportação de energia]
Todos os comentários acima citados e muitos outros, tão importantes quanto, estão
aqui e
aqui.
Com a notícia publicada pelo Estadão de
que nos últimos três anos e meio as montadoras remeteram para as
matrizes U$ 14,6 bilhões em lucros e dividendos, achei que tinha chegado
a hora de entrevistar o Joel Leite a respeito, levantando com ele as
questões mencionadas pelos comentaristas.
Outro motivo da entrevista: a venda de automóveis no Brasil disparou
em junho, com a saída de até 20 mil veículos zero num único dia, recorde
histórico.
Segundo Joel, as vendas bateram recorde mas não foi por conta da
redução da margem de lucro. Pelo contrário, algumas concessionárias que
haviam reduzido, aproveitaram para recompor sua margem de lucro. E nem
todas as montadores teriam repassado o valor integral da redução do IPI
aos consumidores.
O jornalista afirma que os preços de automóveis não caem abaixo de um
determinado patamar e deu como exemplo do poder de fogo da Anfavea
(Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos) a sobretaxa que foi
aplicada contra a suposta “ameaça chinesa”.
O Cherry QQ chegava ao Brasil, já com acessórios, a 12 mil reais, mas
como ameaçava a produção das empresas instaladas aqui acabou
sobretaxado por pressão das montadoras locais. Isso quando a Cherry e a
JAC (outra montadora chinesa) detinham apenas 0,6% do mercado, contra
70% da General Motors, Fiat, Volkswagen e Ford.
Joel também comenta campanhas do gênero da
Abaixo o Lucro Brasil, ativa no Facebook.
Ouçam a entrevista, enquanto a gente providencia a degravação:
Viomundo: Quais são as últimas do mercado automobilístico?
Joel Leite: O mês de junho fechou com vendas
recordes, aumento de vendas históricos. Para você ter uma ideia, o mês
teve só 20 dias úteis, sendo que um deles ainda foi espremido junto ao
feriado, quer dizer, você pode considerar 19 dias úteis. Mas mesmo
considerando 20, você teve 17 mil carros por dia vendidos. Para você ter
uma ideia do que isso significa, nesses últimos anos, quando as vendas
estão bombando, o mercado crescendo, as vendas tem sido de 13 mil carros
por dia, 14, eventualmente 15 num mês muito especial. Neste mês de
junho a média foi 17, na última semana foram 20 mil carros por dia. Isso
resultado do que? Da redução dos preços em consequência da retirada do
IPI para carro 1.0 e redução do IPI para carro acima de 1.0, que o
governo fez no final do mês de maio. Quer dizer: abriu a mão do imposto e
com isso vários carros, várias montadoras abaixaram o preço, não todos,
por sinal, mas foi o suficiente para provocar essa corrida às revendas,
foi realmente uma procura enorme, que é possível até que não se
mantenha nos próximos meses, é um pouco artificial, mas contribuiu para
isso, para ser o segundo maior mês da historia e a maior venda diária de
toda a história da indústria.
Viomundo: Joel, praticando aqueles preços que você denunciou
como sendo parte do Lucro Brasil ou não, ou os preços andaram caindo
muito?
Joel Leite: Não, não, os preços cairam somente o
necessário para reduzir… a consequência da redução do IPI. Ninguém
participou mais, além do governo, dessa redução dos preços. Ao
contrário, muitas montadoras mantiveram os preços ou tiveram uma redução
abaixo do que seria o necessário com a redução do IPI. Ouvi de um
dirigente do setor de distribuição… ele disse que muitas concessionárias
estavam trabalhando com uma margem reduzida. Então, o que eles fizeram
com essa redução do IPI? Recompuseram a margem. Ele falou claramente que
em vez de repassar todo esse valor para o consumidor, eles acabaram
acertando a vida deles aí, recompondo a margem, muitos carros tiveram
uma redução [de preço] menor que o IPI [reduzido] provocou.
Viomundo: Nos seus textos você menciona que as montadoras
instaladas no Brasil muitas vezes são responsáveis por boa parte do
lucro das matrizes. E aí tem uma notícia de hoje, do Estadão, do Iuri
Dantas, dizendo que nos últimos três anos e meio elas remeteram 14,6
bilhões de dólares em lucros e dividendos. É uma informação que vem ao
encontro do que você tem dito, né?
Joel Leite: Exato, isso é uma amostra de que… na
verdade o que acontecia quando as montadoras reclamavam junto ao governo
por uma redução de preço? O que elas queriam era manter a sua margem de
lucro, que é bastante alta, solicitavam uma redução de imposto para
poder baixar o preço, sem fazer a sua parte, esse é o grande problema. A
gente sabe que a margem de lucro no Brasil é muito grande, foi
comprovado isso, dito pelos próprios dirigentes internacionais das
montadoras instaladas aqui, a margem de lucro é muito grande no Brasil, é
maior do que em qualquer outro país. Quando eles querem incrementar a
venda, em vez de reduzir essa margem eles acabam apelando para o
governo, que dá guarida a isso, o governo acaba sempre atendendo.
Aconteceu isso no início da crise de 2009, em dezembro de 2008, foi o
que manteve o Brasil vendendo [automóveis] bem em 2009 e 2010. Aconteceu
novamente agora. É possível que… o imposto é para voltar no mês de
agosto, é possível que ainda isso se estenda até o fim do ano.
Viomundo: Joel, você disse que hoje o governo controla o mercado de automóveis. O que você quis dizer com isso?
Joel Leite: Quando as marcas importadas chegaram ao
Brasil mais fortemente, especialmente as chinesas, chegaram há dois
anos com carro mais barato, carro totalmente equipado e ao preço de um
carro básico brasileiro. O consumidor de um carro básico — Gol, Palio,
Celta, esses carros pequenos — ele nunca teve a oportunidade de comprar
um carro totalmente equipado, porque ele teria de pagar à parte vidro
elétrico, o trio elétrico, air bag, direção hidráulica, ar condicionado,
essas coisas que são básicas em qualquer carro do mundo, no Brasil não
tem.
Para você ter uma ideia, Azenha, há muitos anos, quando o espelho
retrovisor do lado direito não era obrigatório nos carros, as montadoras
não equipavam o carro com espelho retrovisor [do lado direito], para
você ter uma ideia. Um item absolutamente básico. Ele era considerado
opcional, só passou a ser equipado [com o espelho retrovisor do lado
direito] depois que a lei obrigou. É o que vai acontecer com o air bag e
[o freio] ABS daqui dois anos, quando será obrigado.
Hoje, a montadora não coloca esse equipamento e faz ele [o comprador]
pagar à parte. O que aconteceu, voltando ao raciocínio? O carro chinês,
especialmente, chegou com esses equipamentos e começou a ganhar
mercado. A pressão das montadoras fez o governo impor um IPI adicional
de 30 pontos percentuais, praticamente inviabilizando a operação dessas
marcas no Brasil. Se você pegar as duas coreanas, a Hyundai e a KIA, que
já estão no Brasil há muito tempo e estavam conquistando seu espaço,
também sofreram. A KIA, por exemplo, teve uma queda de 47% nesse
semestre, no fechamento do semestre, em relação ao primeiro semestre do
ano pasado. Culpa do aumento do imposto.
Por outro lado, a empresa que mais cresceu nesse semestre foi a
Nissan, beneficiada com a importação… ela também é uma importadora, ela
importa a maior parte dos seus carros vendidos aqui, ela foi beneficiada
porque o governo aceitou… o México faz parte de acordo [automotivo] com
o Brasil e não recolhe imposto de importação e também não recolhe o IPI
adicional de 30 pontos. Quer dizer, o governo é que controlou esse
mercado, é um mercado absolutamente artificial. O carro não está sendo
vendido porque ele é mais bonito, porque tem o melhor desempenho, porque
tem o melhor custo-beneficio ou porque a montadora fez uma grande
estratégia de marketing. Está sendo vendido porque houve um controle
artificial desse mercado através do imposto do governo.
Viomundo: O que você diz de certa forma concorda com uma de
nossas comentaristas, Noir, que diz que essa margem de lucro é falta de
governo…
Joel Leite: É a falta de governo. Você vê nesse
relato que você acabou de dizer que saiu aqui no Estadão… da remessa de
lucros. A remessa de lucros, o volume foi mais ou menos o mesmo volume
do valor que o governo deveria ter recolhido de impostos neste período,
nestes três anos depois da crise e que acabou abrindo mão em benefício
das montadoras.
Viomundo: O leitor Felipe disse que o problema é falta de concorrência, é verdade?
Joel Leite: Não é falta de concorrência. Nós temos
hoje no Brasil mais de 40 montadoras, mais de 40 marcas, todas as
grandes marcas mundiais e muitas pequenas estão operando no Brasil.
Imagine você, o Paraguai vende carro mais barato que a gente, o Chile —
que não fabrica nenhum carro — importa tudo, vende carro mais barato que
a gente. Aí você vai dizer que o imposto lá [no Chile] é baixo. É
verdade, é baixo, mas se você pega a Argentina, o imposto é menor que o
do Brasil mas não tão mais baixo assim. E as diferenças de preço são
absurdas, absurdas. Quer dizer, você compara o preço do carro no Brasil
com países de primeiro mundo, onde tem uma realidade diferente — Estados
Unidos, Europa, Japão — e compara com paises do terceiro mundo, com
paises miseráveis, em qualquer comparação o carro brasileiro é mais
caro. Não existe explicação… O custo Brasil, que eles consideram, o
custo de operação, custo de logística, de transporte, de todos estes
problemas que existem na operação industrial e comercial no Brasil… para
o consumidor isso não é custo, é lucro [alheio]. Alguém lucra, se não é
a montadora que tem essa maior parte do lucro, é a concessionária, é a
oficina, é o transporte, é o cegonheiro, esse dinheiro se perde na
cadeia e quem vai pagar o preço final é o consumidor, né?
Fonte: www.viomundo.com.br