segunda-feira, 14 de abril de 2014

GOLPE MILITAR E O PAPEL DA MÍDIA.

Jornalismo golpista

A participação entusiasmada dos donos de mídia, articulistas, editorialistas e chefes de redação na conspiração contra o presidente João Goulart
por Juremir Machado da Silva — publicado 03/04/2014 05:37
Reprodução e Folha Press
jornais
As manchetes exultantes e os editoriais a favor da intervenção militar deram o tom

No Brasil, 1964 pode ser descrito como o ano da imprensa colaboracionista. Os intelectuais jornalistas traíram o compromisso com a verdade e com a independência por desinformação, conservadorismo e ideologia. Alberto Dines, Antonio Callado e Carlos Heitor Cony ajudaram a derrubar Jango. O poeta Carlos Drummond de Andrade sujou as mãos com algumas mal traçadas crônicas destinadas, pós-golpe, a chutar cachorro morto. Em 1954, a mesma imprensa havia empurrado Getúlio Vargas ao suicídio. Nas únicas três vezes em que o Brasil teve governos do centro para a esquerda – 1951-1954, 1961-1964 e 2003 até hoje –, a mídia aliou-se aos mais conservadores ao agitar os mesmos espantalhos: corrupção, anarquia, desgoverno, aparelhamento do Estado, tentações comunistas e outras ficções mais ou menos inverossímeis.
Em 1964, João Goulart, fervido no caldo borbulhante da Guerra Fria, enfrentou a ira moralista de veículos como o Correio da Manhã, Jornal do Brasil, O Globo, O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo, Tribuna da Imprensa, O Dia e dos Diários Associados de Assis Chateaubriand. A queda de Jango começou a se definir em 13 de março, uma sexta-feira. O presidente cometeu o pecado de abraçar a reforma agrária e de encampar as refinarias de petróleo. A reação conservadora pôs nas ruas as Marchas da Família com Deus pela Liberdade. Consumado o golpe, o diretor de O Estado de S. Paulo, Julio de Mesquita, não se constrangeu em publicar, em 12 de abril de 1964, o “roteiro da revolução”, que ajudara a preparar com auxílio do professor Vicente Rao, em 1962.
O patriarca da imprensa golpista clamava pelo fechamento do Congresso Nacional e das assembleias legislativas. “Há mais ou menos dois anos, o Dr. Júlio de Mesquita Filho, instado por altas patentes das Forças Armadas a dar a sua opinião sobre o que se deveria fazer caso fosse vitoriosa a conspiração que então já se iniciara contra o regime do Sr. João Goulart, enviou-lhes em resposta a seguinte carta...” Sugeria a suspensão do habeas corpus, um expurgo no Judiciário e a extinção dos mandatos dos prefeitos e governadores. A solução “democrática” contra o governo de Jango seria uma junta militar instalada no poder por, no mínimo, cinco anos.
A “Mensagem ao Congresso”, enviada por Jango em 15 de março, detonou o horror na imprensa golpista. O confronto com os marinheiros reunidos no Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio de Janeiro, em 25 de março, deu nova e poderosa munição para o golpismo midiático: as Forças Armadas estariam minadas pela indisciplina. Os marinheiros da base da hierarquia tinham reivindicações subversivas, entre elas... o direito ao casamento. A mídia considerava tudo isso muito radical. Em 30 de março, Jango compareceu ao encontro dos sargentos no Automóvel Clube do Rio. Foi a senha para o autodenominado “vaca fardada”, o general Olympio Mourão Filho, dar o seu coice mortal, marchando com suas tropas de Juiz de Fora para o Rio. A mídia exultou.
O golpe partiu de Minas sob a liderança civil do governador Magalhães Pinto. Alberto Dines, hoje decano dos críticos de mídia e pregador de moral e cívica no seu Observatório da Imprensa, brindou o governador, no livro que organizou e publicou ainda em 1964 para tecer loas ao golpismo – Os Idos de Março e a Queda em Abril –, com o mais alto elogio disponível na época, um cumprimento aos colhões do pacato golpista: “Enfim, apareceu um homem para dar o primeiro passo. Este homem é o mais tranquilo, o mais sereno de todos os que estão na cena política. Magalhães Pinto, sem muitos arroubos, redimiu os brasileiros da pecha de impotentes”.
O Correio da Manhã deveria constar no livro dos recordes como o mais rápido caso de arrependimento da história do jornalismo. Em 31 de março e 1º de abril de 1964, golpeava furiosamente. No editorial “Basta!”, decretava: “O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora, basta”. De quê? “Basta de farsa. Basta da guerra psicológica que o próprio governo desencadeou com o objetivo de convulsionar o país e levar avante a sua política continuísta. Basta de demagogia para que, realmente, se possam fazer as reformas de base”.
O jornal iludia-se como uma senhora de classe média desinformada: “Queremos as reformas de base votadas pelo Congresso. Queremos a intocabilidade das liberdades democráticas. Queremos a realização das eleições em 1965. A nação não admite nem golpe nem contragolpe”. No editorial “Fora!”, saiu do armário: “Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: 'Saia!”' Veredicto: “João Goulart iniciou a sedição no país”. E mais: “A nação não mais suporta a permanência do Sr. João Goulart à frente do Governo. Chegou ao limite final a capacidade de tolerá-lo por mais tempo. Não resta outra saída ao Sr. João Goulart senão a de entregar o Governo ao seu legítimo sucessor”. Como poderia de um golpe vir um “legítimo sucessor”? Mistérios do jornalismo: “Hoje, como ontem, queremos preservar a Constituição. O Sr. João Goulart deve entregar o Governo ao seu sucessor porque não pode mais governar o País”.
Os grandes jornais paulistas e cariocas atolaram-se com o mesmo entusiasmo. Apoiaram o golpe e a ditadura. A Folha de S.Paulo ficou famosa por emprestar suas caminhonetes para a Operação Bandeirantes transportar “subversivos” para o tronco. Em 22 de setembro de 1971, o jornal de Octavio Frias tecia em editorial o seu mais ditirâmbico elogio ao pior momento da ditadura: "Os ataques do terrorismo não alterarão a nossa linha de conduta. Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca houve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social, realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama".
Esse apoio explícito da Folha de S.Paulo ao governo de Emílio Garrastazu Médici ganha nesse editorial um tom de confissão apaixonada: “Um país, enfim, de onde a subversão – que se alimenta do ódio e cultiva a violência – está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da imprensa, que reflete os sentimentos deste. Essa mesma imprensa que os remanescentes do terror querem golpear”. Em 2009, a Folha de S.Paulo chamou a ditadura de “ditabranda”. O arrependimento nunca chegou.
O Globo, em editorial de 2 de abril de 1964, notabilizou-se pela bajulação surrealista: “Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem”. Em 7 de outubro de 1984, nos 20 anos do regime, Roberto Marinho reincidiu: “Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”. Só 49 anos depois do golpe, O Globo publicaria uma retratação contraditória e pouco convincente. Assim foi com outro representante do jornalismo carioca. Em 31 de março de 1973, o Jornal do Brasil comemorava: “Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer”.
Em 2 de abril de 1964, a Tribuna da Imprensa deu em manchete uma lição do mau jornalismo que sempre a distinguiu: “Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr. João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas”.
Se os jornais apoiaram o golpe e a ditadura, muitos intelectuais jornalistas marcharam na linha de frente do golpismo. Cony, que logo percebeu o tamanho da encrenca e passou a criticar o novo regime, admitiu ter participado da confecção dos editoriais “Basta” e “Fora” do Correio da Manhã: “Minha participação limitou-se a cortar um parágrafo e acrescentar uma pequena frase”. Quanta modéstia retrospectiva! Para Cony, João Goulart era um “homem completamente despreparado para qualquer cargo público, fraco, pusilânime e, sobretudo, raiando os extensos limites do analfabetismo”.
Dines vomitaria uma das maiores asneiras da época: “É preciso muita convicção para não se enredar pelo glamour de uma façanha esquerdista. Quem tem coragem para dizer que aqueles marinheiros, que arriscaram a vida com aquele motim por uma causa tão distante e abstrata, como reformas de base, eram oportunistas e agitadores”. Entre as causas distantes e abstratas defendidas naqueles tempos estavam o direito ao casamento e ao voto para os analfabetos. Em 1968, depois do AI-5, em discurso numa formatura, Dines criticou a censura. Enrolou-se com os velhos amigos. O Serviço Nacional de Informações forneceu-lhe um atestado de bons antecedentes descoberto pelo pesquisador Álvaro Larangeira: “Sempre se manifestou contrário ao regime comunista. Colaborou com o governo revolucionário, escrevendo livro sobre a revolução e orientou feitura de cadernos para difundir objetivos da revolução”. Não foi denunciado. Perdoou-se o deslize.
Callado faz de Jango um bêbado, incompetente e inculto, casado com uma mulher fútil, e com um vício terrível, “o de aumentar o salário mínimo”. O futuro escritor atrapalhava-se com as palavras: “A Presidência da República foi transformada numa espécie de grande Ministério do Trabalho, com a preocupação constante do salário mínimo”. Chafurdava na maledicência: “Ao que se sabe, muitos cirurgiões lhe garantiram, através dos anos, que poderia corrigir o defeito que tem na perna esquerda. Mas o horror à ideia de dor física fez com que Jango jamais considerasse a sério o conselho. Talvez por isso tenha cometido o seu suicídio indolor na Páscoa”. Raízes de certo jornalismo de nossos dias.
Juremir Machado da Silva é jornalista e autor de 1964, Golpe Midiático-Civil-Militar.

Fonte: www.cartacapital.com.br

quinta-feira, 10 de abril de 2014

OPINIÃO DO LEITOR E A SAÚDE DE JACOBINA.


A saúde Jacobinense na UTI

A discussão sobre a saúde em jacobina corre o risco de se transformar em um assunto banal em virtude da falta de interesse e do mal uso das verbas públicas por parte dos vários administradores que por aqui passaram e ainda permanecem.
Parte disto pode ser creditado ao fato de que este assunto está sendo abordado de forma política, sem o devido cuidado de analisar as necessidades reais da cidade.
Mesmo depois de alguns anos de implantação do PSF (Programa de Saúde da Família), ainda presenciamos uma grande falta de comprometimento por parte dos poderes públicos em relação a esta área, não priorizando a verdadeira função do programa. Para onde estão sendo destinada as verbas que deveriam ser usadas para a manutenção dos PSFs?
Ao mesmo passo insere-se no contexto uma outra discussão tão importante quanto o sucateamento dos postos de saúde: a visão do profissional de saúde em relação ao setor público em jacobina. Alguns dirão que a falta de atitude por parte do estado causa um ambiente de permissividade em relação a atitude do médico. No caso da má prestação do serviço público, quem será lembrado, o médico ou o Estado?
Esta relação umtanto conturbada entre o poder público e a classe médica já deu muito o que falar, com declarações de ambas as partes creditando sempre ao outro a paternidade do filho (ou problema). Enquanto isso, no meio do fogo cruzado, permanece a outra parte mais interessada e para quem as outras duas deveriam trabalhar de forma coesa e com dedicação total. A população está realmente preparada para discutir estes problemas de forma a cobrar mais comprometimento e responsabilidade às partes citadas?
Os quase sucateados PSFs de Jacobina não são mais alvo de debates entre os meios de comunicação, o uso da saúde em campanha e posteriormente, a vinda da COOFSAÚDE, deixou uma enorme dúvida no ar permitindo que fossem feitas avaliações preliminares.
A maquiagem usada para encobrir os vários problemas existentes na saúde se tornou regra entre alguns administradores, o mal uso do dinheiro público no transcorrer das gestões, fazem com que os sucessores sempre usem como justificativa a afirmativa de que “estão pagando os débitos dos gestores anteriores”.
O continuísmo destas práticas e a ausência da sociedade nestas questões, juntamente com o descaso da mesma, quer seja por ignorância ou por conivência, abre um grande precedente para que este espetáculo do mal uso do dinheiro público continue a ser estrelado e que algumas respostas colocadas acima continuem sem as devidas respostas.

Por:  Américo Oliveira Júnior

segunda-feira, 7 de abril de 2014

O que procuram, a farsa ou a tragédia?

Por Maria Inês Nassif.



Há pouco mais de uma década, seria impensável a qualquer representante de parcela do pensamento político brasileiro usar o golpe de 1964 como propaganda política. A ditadura militar foi capaz de envergonhar uma parcela enorme da população brasileira, inclusive a esmagadora maioria que se arrependera de apoiá-la – e muita gente a apoiou por atos, pensamentos ou omissões. Após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas, em 2002, e a inauguração de um período dominado eleitoralmente pelo PT, a referência política do golpe retorna intensamente, por meio de forças neoconservadoras, não como vergonha, mas como exemplo a ser seguido.

A articulação do golpe foi, na história da República brasileira, o momento em que mais estiveram coesas as forças conservadoras do Brasil; em que a reação civil ao voto popular precedeu e incentivou a ação militar; e em que uma incipiente coesão progressista da América Latina foi transformada, pela força e com a ajuda econômica e ideológica dos Estados Unidos, num cisto reacionário incrustrado num pedaço do mundo onde a influência do maior país capitalista tornou-se plenamente hegemônica.

No decorrer dos governos dos presidentes Lula e Dilma Rousseff, e depois da frustrada tentativa de forçar a renúncia de Lula em 2005, após o escândalo do mensalão, e convencê-lo a desistir da reeleição, ocorrem reiteradas tentativas de repetir as condições objetivas existentes há 50 anos para a interrupção de um regime democrático.

O exemplo IPES-Ibad talvez seja o maior. Desses institutos, jorrou dinheiro de pesquisa para intelectuais cujos trabalhos dariam suporte ideológico à campanha anticomunista contra o governo de João Goulart, pretexto para que o setor produtivo privado brasileiro – que teoricamente seria beneficiado no embate entre as correntes nacionalistas e as nem tanto do governo petebista – pular do barco, e muitos dólares (de inconfessada origem, mas comprovadamente investimento dos órgãos de segurança na desestabilização da democracia brasileira) para financiar, nas eleições parlamentares de 1962, políticos comprometidos ideologicamente com a reação. Na última década, foram criados institutos com o objetivo explícito de dar unidade ao pensamento conservador. Se aparentemente estes aparelhos ideológicos não movimentam tanto dinheiro, conseguiram mapear extensivamente quem está do mesmo lado e mantê-los sob a sua proteção, quer se tornando avalistas de sua lealdade ao pensamento conservador para um possível empregador, quer indicando para simpatizantes de que fonte beber para ser parte dessa máquina de propaganda.

A confiança conquistada por esses intelectuais orgânicos, por estarem protegidos nos lugares onde produzem ideologia para consumo de um público (jornais, tevês, universidades, simpósios bem pagos no mundo da iniciativa privada etc), fez proliferar um tipo de pensamento raso, mais para consumo das classes médias menos intelectualizadas, e um discurso propagandístico que a modernidade jurava ter colocado em desuso.

O discurso anticomunista, que as forças progressistas puseram na lista de anacronismos depois da queda do Muro de Berlim e o desmonte do bloco socialista mundial, em 1989, foi surpreendentemente desenterrado na formulação do discurso conservador. É como se os neoliberais, ao tentarem fazer ressurgir a grande coesão conservadora do golpe de 1964, não encontrassem outro pretexto para unir o seu espectro ideológico no ano de 2014. Isso porque o discurso ideológico dessas forças no período democrático perdeu força, brilho e credibilidade nos anos 90, após os governos conservadores do PSDB.

Esse discurso anticomunista, ao tomar como exemplo um fato histórico ocorrido há meio século, acha que é obrigação de seus intelectuais, nessa guerra ideológica tardia, investir contra a imagem do presidente deposto em 1964, João Goulart. Parece que investir contra o presidente deposto ataca também, por similaridade, o governo atual. O argumento mais usado era de que o estancieiro Jango era um fraco e foi deposto porque cedeu à pressão do PCB, abriu espaço para os comunistas no seu governo e, por influência deles, levaria o país ao comunismo.

As esquerdas dominavam o país antes do golpe porque faziam um trabalho intenso de propaganda junto às classes menos favorecidas, dizem outros, que não se perguntam que propaganda pode ser mais efetiva para a parcela dos mais pobres do que uma política de distribuição de renda, hoje ou há cinco décadas.

O discurso é raso e pobre, mas foi usado o suficiente para que o termo “perigo comunista” voltasse a sair da boca do cidadão comum, mais sensível a esse tipo de propaganda, e se tentassem fracassadas (ainda bem!) marchas da família com Deus, a exemplo do que ocorreu no pré-golpe.