Mino x Globo:
- Publicado em 11/05/2012
O Conversa Afiada reproduz editorial de Mino Carta, na Carta Capital:
Eternos chapa-branca
O jornal O Globo toma as dores
da revista Veja e de seu patrão na edição de terça 8, e determina:
“Roberto Civita não é Rupert Murdoch”. Em cena, o espírito corporativo.
Manda a tradição do jornalismo pátrio, fiel do pensamento único diante
de qualquer risco de mudança.
Desde 2002, todos empenhados em
criar problemas para o governo do metalúrgico desabusado e, de dois
anos para cá, para a burguesa que lá pelas tantas pegou em armas contra a
ditadura, embora nunca as tenha usado. Os barões midiáticos detestam-se
cordialmente uns aos outros, mas a ameaça comum, ou o simples temor de
que se manifeste, os leva a se unir, automática e compactamente.
Não há necessidade de uma
convocação explícita, o toque do alerta alcança com exclusividade os
seus ouvidos interiores enquanto ninguém mais o escuta. E entra na liça o
jornal da família Marinho para acusar quem acusa o parceiro de jornada,
o qual, comovido, transforma o texto global na sua própria peça de
defesa, desfraldada no site de Veja. A CPI do Cachoeira em potência
encerra perigos em primeiro lugar para a Editora Abril. Nem por isso os
demais da mídia nativa estão a salvo, o mal de um pode ser de todos.
O autor do editorial exibe a
tranquilidade de Pitágoras na hora de resolver seu teorema, na certeza
de ter demolido com sua pena (imortal?) os argumentos de CartaCapital.
Arrisca-se, porém, igual a Rui Falcão, de quem se apressa a citar a
frase sobre a CPI, vista como a oportunidade “de desmascarar o
mensalão”. Com notável candura evoca o Caso Watergate para justificar o
chefe da sucursal de Veja em Brasília nas suas notórias andanças com o
chefão goiano. Ambos desastrados, o editorialista e o líder petista.
Abalo-me a observar que a
semanal abriliana em nada se parece com o Washington Post, bem como
Roberto Civita com Katharine Graham, dona, à época de Watergate, do
extraordinário diário da capital americana. Poupo os leitores e os meus
pacientes botões de comparações entre a mídia dos Estados Unidos e a do
Brasil, mas não deixo de acentuar a abissal diferença entre o diretor de
Veja e Ben Bradlee, diretor do Washington Post, e entre Policarpo Jr. e
Bob Woodward e Carl Bernstein, autores da série que obrigou Richard
Nixon a se demitir antes de sofrer o inevitável impeachment. E ainda
entre o Garganta Profunda, agente graduado do FBI, e um bicheiro
mafioso.
Recomenda-se um mínimo de apego
à verdade factual e ao espírito crítico, embora seja do conhecimento
até do mundo mineral a clamorosa ignorância das redações nativas. Vale
dizer, de todo modo, que, para não perder o vezo, o editorialista global
esquece, entre outras façanhas de Veja, aquele épico momento em que a
revista publica o dossiê fornecido por Daniel Dantas sobre as contas no
exterior de alguns figurões da República, a começar pelo presidente
Lula.
Concentro-me em outras miopias de O Globo. Sem citar CartaCapital, o jornal a inclui entre “os veículos de imprensa chapa-branca, que atuam como linha auxiliar dos setores radicais do PT”. Anotação marginal: os radicais do PT são hoje em dia tão comuns quanto os brontossauros. Talvez fossem anacrônicos nos seus tempos de plena exposição, hoje em dia mudaram de ideia ou sumiram de vez. Há tempo CartaCapital lamenta que o PT tenha assumido no poder as feições dos demais partidos.
Vamos, de todo modo, à vezeira
acusação de que somos chapa-branca. Apenas e tão somente porque
entendemos que os governos do presidente Lula e da presidenta Dilma são
muito mais confiáveis do que seus antecessores? Chapa-branca é a mídia
nativa e O Globo cumpre a tarefa com diligência vetusta e comovedora,
destaque na opção pelos interesses dos herdeiros da casa-grande,
empenhados em manter de pé a senzala até o derradeiro instante possível.
Não é por acaso que 64% dos
brasileiros não dispõem de saneamento básico e que 50 mil morrem
assassinados anualmente. Ou que os nossos índices de ensino e saúde
públicos são dignos dos fundões da África, a par da magnífica colocação
do País entre aqueles que pior distribuem a renda. Em compensação, a
minoria privilegiada imita a vida dos emires árabes.
Chapa-branca a favor de quem,
impávidos senhores da prepotência, da velhacaria, da arrogância, da
incompetência, da hipocrisia? Arauto da ditadura, Roberto Marinho
fermentou seu poder à sombra dela e fez das Organizações Globo um
monstro que assola o Brazil-zil-zil. Seu jornal apoiou o golpe, o golpe
dentro do golpe, a repressão feroz. Illo tempore, seu grande amigo
chamava-se Armando Falcão.
Opositor ferrenho das Diretas
Já, rejubilado pelo fracasso da Emenda Dante de Oliveira, seu grande
amigo passou a atender pelo nome de Antonio Carlos Magalhães. O doutor
Roberto em pessoa manipulou o célebre debate Lula versus Collor, para
opor-se a este dois anos depois, cobrador, o presidente caçador de
marajás, de pedágios exorbitantes, quando já não havia como segurá-lo
depois das claras, circunstanciadas denúncias do motorista Eriberto,
publicadas pela revista IstoÉ, dirigida então pelo acima assinado.
Pronta às loas mais desbragadas
a Fernando Henrique presidente, com o aval de ACM, a Globo sustentou a
reeleição comprada e a privataria tucana, e resistiu à própria falência
do País no começo de 1999, após ter apoiado a candidatura de FHC na
qualidade de defensor da estabilidade. Não lhe faltaram compensações.
Endividada até o chapéu, teve o presente de 800 milhões de reais do
BNDES do senhor Reichstul. Haja chapa-branca.
Impossível a comparação entre a
chamada “grande imprensa” (eu a enxergo mínima) e o que chama de “linha
auxiliar de setores radicais do PT”, conforme definem as primeiras
linhas do editorial de O Globo. A questão, de verdade, é muito simples:
há jornalismo e jornalismo. Ao contrário destes “grandes”, nós
entendemos que a liberdade sozinha, sem o acompanhamento pontual da
igualdade, é apenas a do mais forte, ou, se quiserem, do mais rico. É a
liberdade do rei leão no coração da selva, seguido a conveniente
distância por sua corte de ienas.
Acreditamos também que entregue
à propaganda da linha auxiliar da casa-grande, o Brasil não chegaria a
ser o País que ele mesmo e sua nação merecem. Nunca me canso de repetir
Raymundo Faoro: “Eles querem um País de 20 milhões de habitantes e uma
democracia sem povo”. No mais, sobra a evidência: Roberto Civita é o
Murdoch que este país pode se permitir, além de inventor da lâmpada
Skuromatic a convocar as trevas ao meio-dia. Temos de convir que, na
mídia brasileira, abundam os usuários deste milagroso objeto.
(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.
Fonte: http://www.conversaafiada.com.br
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