Fonte: Do blog Diário do Centro do Mundo:
E eis que o ministro Gilmar Mendes está de novo nas primeiras páginas - como de hábito, em situação desfavorável.
Mendes é uma das estrelas do livro Operação Banqueiro, do jornalista Rubens Valente, lançado neste final de semana.
Nele, Valente mostra como Daniel Dantas, um banqueiro de atuação obscura, recebeu a proteção de Mendes no STF.
Meses atrás, Mendes se destacara na mídia digital -
sempre negativamente - depois de conceder habeas corpus para uma
funcionária da Receita Federal que tentou sumir com a documentação
relativa a uma dívida multimilionária da Globo com o fisco.
Sua atuação política foi sublinhada, involuntariamente, num perfil
laudatório escrito, alguns anos atrás, pela jornalista Eliane Cantanhede
para uma revista da Folha. No texto, Cantanhede informou –
provavelmente sem se dar conta do absurdo do que escrevia – que Mendes é
“tucano demais”.
Para ajudar os leitores do Diário a se situarem, montamos um grupo de perguntas e respostas sobre Gilmar.
Quem indicou Gilmar Mendes para o STF?
Fernando Henrique Cardoso.
Como a indicação de Gilmar Mendes para o STF foi recebida por juristas ilibados?
No dia 8 de maio de 2002, a Folha de S. Paulo publicou um artigo do
professor Dalmo Dallari, a propósito da indicação de Gilmar Mendes para o
Supremo Tribunal Federal, sob o título de Degradação do Judiciário.
Qual era o ponto de Dallari?
“Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado”, afirmou Dallari,
“não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção
dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade
constitucional.”
Por quê?
Gilmar, segundo Dallari, especializou-se em “inventar” soluções
jurídicas no interesse do governo. “Ele foi assessor muito próximo do
ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao
direito”, escreveu Dallari. ”No governo Fernando Henrique, o mesmo
Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece
assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a
demarcação de áreas indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas
vezes negada pelo STF, “inventaram” uma tese jurídica, que serviu de
base para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto
em que se baseavam as demarcações. Mais recentemente, o advogado-geral
da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos
da administração que não cumprissem decisões judiciais.”.
Como Gilmar, no cargo de advogado- geral da União, definiu o judiciário brasileiro depois de suas derrotas judiciais?
Ele fez uma afirmação textual segundo a qual o sistema judiciário brasileiro é um “manicômio judiciário”.
Como os juízes responderam a isso?
Em artigo publicado no “Informe”, veículo de divulgação do Tribunal
Regional Federal da 1ª Região, um juiz observou que “não são decisões
injustas que causam a irritação, a iracúndia, a irritabilidade do
advogado-geral da União, mas as decisões contrárias às medidas do Poder
Executivo”.
Havia alguma questão ética contra Gilmar quando FHC o indicou?
Sim. Em abril de 2002, a revista “Época” informou que a chefia da
Advocacia Geral da União, isto é, Gilmar, pagara R$ 32.400 ao Instituto
Brasiliense de Direito Público – do qual o mesmo Gilmar é um dos
proprietários – para que seus subordinados lá fizessem cursos.
O que Dallari disse desse caso?
“Isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito
longe de se enquadrar na “reputação ilibada”, exigida pelo artigo 101 da
Constituição, para que alguém integre o Supremo”, afirmou Dallari.
Em outros países a indicação de juízes para o STF é mais rigorosa?
Sim. Nos Estados Unidos, por exemplo, um grande jurista conservador,
Robert Bork, indicado por Reagan, em 1987, foi rejeitado (58 votos a
42), depois de ampla discussão pública.
Como o Senado americano tratou Bork?
Defensor declarado dos trustes, Bork foi arrasado pelo senador Edward
Kennedy A América de Bork – disse Kennedy – será aquela em que a polícia
arrombará as portas dos cidadãos à meia-noite, os escritores e artistas
serão censurados, os negros atendidos em balcões separados e a teoria
da evolução proscrita das escolas.
O caso foi tão emblemático que to bork passou a ser verbo. Mais tarde,
em outubro de 1991, o juiz Clarence Thomas por pouco não foi rejeitado,
por sua conduta pessoal. Aos 43 anos, ele foi acusado de assédio sexual –
mas os senadores, embora com pequena margem a favor (52 votos a 48), o
aprovaram, sob o argumento de que seu comportamento não o impedia de
julgar com equidade.
Na forte campanha contra sua indicação as associações femininas se
destacaram. E o verbo “borquear” foi usado por Florynce Kennedy, com a
sua palavra de ordem “we’re going to bork him”.
Já no Supremo, Gilmar continuou a agir contra os interesses dos índios, como fizera antes?
Sim. Em 2009, o governo cedeu aos guaranis-caiovás a terra que eles
ocupavam então. Em 2010, o STF, então presidido por Gilmar Mendes,
suspendeu o ato do governo, em favor de quatro fazendas que reivindicam a
terra.
A mídia tem cumprido seu papel de investigar Gilmar?
Não, com exceção da Carta Capital. Na edição de 8 de outubro de 2008, a
revista revelou a ligação societária entre o então presidente do Supremo
Tribunal Federal e o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).
O que é o IDP?
É uma escola de cursinhos de direito cujo prédio foi construído com
dinheiro do Banco do Brasil sobre um terreno, localizado em área nobre
de Brasília, praticamente doado (80% de desconto) a Mendes pelo
ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz.
O que a Carta Capital revelou sobre o IDP?
O autor da reportagem, Leandro Fortes, revelou que o IDP, à época da
matéria, fechara 2,4 milhões em contratos sem licitação com órgãos
federais, tribunais e entidades da magistratura, “ volume de dinheiro
que havia sido sensivelmente turbinado depois da ida de Mendes para o
STF, por indicação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso”.
Quem dava aulas no IDP, segundo a Carta Capital?
O corpo docente do IDP era formado, basicamente, por ministros de Estado
e de tribunais superiores, desembargadores e advogados com interesses
diretos em processos no Supremo. “Isso, por si só, já era passível de
uma investigação jornalística decente”, escreveu em seu blog o autor da
reportagem. “O que, aliás, foi feito pela Carta Capital quando toda a
imprensa restante, ou se calava, ou fazia as vontades do ministro em
questão.”
O jornalista deu algum exemplo?
Sim. Na época da Operação Satiagraha, dois habeas corpus foram
concedidos por Mendes ao banqueiro Daniel Dantas, em menos de 48 horas.
Em seguida, conforme Leandro Fortes, “a mídia encampou a farsa do grampo
sem áudio, publicado pela revista Veja, que serviu para afastar da
Agência Brasileira de Inteligência o delegado Paulo Lacerda, com o
auxílio do ministro da Defesa, Nelson Jobim, autor de uma falsa denúncia
sobre existência de equipamentos secretos de escuta telefônica que
teriam sido adquiridos pela Abin”.
Como Gilmar reagiu às denúncias?
A Carta Capital e o repórter, por revelarem as atividades comerciais
paralelas de Gilmar Mendes, acabaram processados pelo ministro.
Mendes acusou a reportagem de lhe “denegrir a imagem” e “macular sua
credibilidade”. Alegou, ainda, que a leitura da reportagem atacava não
somente a ele, mas serviria, ainda, para “desestimular alunos e
entidades que buscam seu ensino”.
Como a justiça se manifestou sobre o processo?
Em 26 de novembro de 2010, a juíza Adriana Sachsida Garcia, do Tribunal
de Justiça de São Paulo, julgou improcedente a ação de Gilmar Mendes e
extinguiu o processo.
O que ela disse?
“As informações divulgadas são verídicas, de notório interesse público e
escritas com estrito animus narrandi. A matéria publicada apenas
suscita o debate sob o enfoque da ética, em relação à situação narrada
pelo jornalista. (…) A população tem o direito de ser informada de forma
completa e correta. (…) A documentação trazida com a defesa revela que a
situação exposta é verídica; o que, aliás, não foi negado pelo autor.”
É verdade que Ayres Brito, que prefaciou o livro de Merval Pereira sobre o Mensalão, proferiu aula magna no IDP?
Sim.
Procede a informação de que, em pleno Mensalão, Gilmar foi ao
lançamento de um livro de Reinaldo Azevedo em que os réus eram tratados
como “petralhas”?
Sim.
E agora, como entender a crise entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso?
Nas palavras do colunista Janio de Freitas, esta crise “não está longe
de um espetáculo de circo, daqueles movidos pelos tombos patéticos e
tapas barulhentos encenados por Piolim e Carequinha. É nesse reino que
está a “crise”, na qual quase nada é verdadeiro, embora tudo produza um
efeito enorme na grande arquibancada chamada país”.
É verdade que o Congresso aprovou um projeto que submete decisões do Supremo ao Legislativo?
Não. A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, como explicou Janio
de Freitas, nem sequer discutiu o teor do projeto que propõe a
apreciação de determinadas decisões do STF pelo Congresso. “A CCJ apenas
examinou, como é de sua função, a chamada admissibilidade do projeto,
ou seja, se é admissível que seja discutido em comissões e eventualmente
levado a plenário”, explicou Jânio. “A CCJ considerou que sim. E nenhum
outro passo o projeto deu.”
E qual foi a atitude de Gilmar neste caso?
Ele afirmou que os parlamentares “rasgaram a Constituição”. Isso só é
equiparável, segundo Jânio, à afirmação de Gilmar de que “o Brasil
estava sob “estado policial”, quando, no governo Lula, o mesmo ministro
denunciou a existência de gravação do seu telefone, jamais exibida ou
comprovada pelo próprio ou pela investigação policial”.
É verdade que a mulher de Gilmar Mendes trabalha no escritório de advocacia que defende Daniel Dantas?
Sim. É o escritório de Sérgio Bermudes, no Rio de Janeiro.
Isto configura um conflito de interesses, já que o STF pode julgar causas do escritório de Bermudes?
Sim.
E não acontece nada para coibir esse conflito?
Não.