O realismo sem deixar de lado a utopia
Por Marco Antonio Rodrigues Dias em 06/06/2011 na edição 645.
  Quando se analisam fenômenos ligados à realidade social, inclusive no  campo da comunicação, é sempre útil recordar as palavras do prêmio Nobel  de Literatura mexicano, Octavio Paz, para quem “a busca do futuro  termina, inevitavelmente, com a conquista do passado”.
  No início dos anos 70, o curso de Comunicação da UnB sofreu uma  reestruturação profunda, cujas bases estão presentes até hoje, por meio  da ação de alguns dos professores e pesquisadores remanescentes daquele  período. Não se falava muito em cidadania naquela época. O contexto era  outro. A preocupação imediata era a reconquista da liberdade e, para  isso, buscavam-se formas alternativas de ação, que visassem  principalmente a fazer com que a comunicação fosse colocada a serviço do  desenvolvimento, que deveria ser concebido de maneira diferente da  visão então dominante. Para isso, a inspiração era buscada em filósofos  do tipo de Maritain e Mounier e, mais perto de nós, nas ideias básicas  formuladas por pensadores como Paulo Freire.
  Desenvolvimento não podia ser visto como sinônimo de crescimento e  basear-se na experiência de alguns poucos países. Fatores culturais e  sociais tinham que ser levados em consideração. E, no campo da  publicidade, por exemplo, como hoje no de marketing, não questionassem  sua função no controle da informação. Na medida em que essa concepção  fosse implementada, necessariamente levaria a questionamentos sobre a  democracia, então ausente no país, e estimularia ações que, hoje, caem  nas preocupações dos que pensam em reforçar a cidadania para aperfeiçoar  a democracia.
  Quem se recorda da origem do nome Ceilândia?
  Na realidade, a ação do conjunto dos integrantes do curso de  Comunicação naquele período de reformas não era monolítica. Alguns  optavam por limitar-se à formação técnica profissional e, por exemplo,  em campos como o da publicidade, não se questionava sua função no  controle dos meios de comunicação. Em realidade, o curso assegurava, com  eficiência, creio, a formação básica profissional de jornalistas em  todos os veículos (o que implicava atividades na área de rádio, jornal,  televisão e cinema documentário), de profissionais para a publicidade e  de especialistas em relações públicas, em particular, tendo em vista as  características de Brasília, na área de relações públicas  governamentais. Mas, a ambição do grupo, em geral, ainda que não  formulada explicitamente (o que, aliás, não era possível), era mais  ampla.
  Todos, ou quase todos, sonhavam com a redemocratização do país e  buscavam ver como a comunicação poderia colaborar para alcançar esse  objetivo. O contato com especialistas do mundo inteiro que tivessem uma  visão da comunicação voltada para o social – e, particularmente, com  especialistas latino-americanos, como Juan Diaz Bordenave (Paraguai),  Luís Ramiro Beltrán (Colômbia), Antonio Pasquali (Venezuela) e outros –  foi, na época, um instrumento de abertura e de legitimação dessa  corrente.
  Na época, em tempos de ditadura, a atmosfera era escura, mas ninguém  tinha dúvidas sobre o que fazer para transmitir aos estudantes o domínio  de técnicas que lhes assegurassem um futuro profissional. Houve muita  ação, experiências didáticas de cursos em bloco foram lançadas, o curso  equipou-se para lançar jornais-laboratórios, preparar emissões de rádio e  de televisão, elaborar documentários, lançar campanhas publicitárias,  que inclusive receberam prêmios nacionais. Quem se recorda hoje, em  Brasília, que o nome da cidade-satélite Ceilândia originou-se de uma  ação organizada pelos estudantes de publicidade da UnB em torno de uma  campanha de erradicação de invasões organizada no Distrito Federal?
  Comunicação assegura coesão 
  Mas, o que ficou de permanente dessa época, a meu ver, estava mais  vinculado à discussão da função da comunicação. No Brasil, na época, sem  dúvida, foi na UnB que o Informe Mac Bride, de 1978, tornou-se objeto  da atenção mais consciente. Embora criticado, inclusive dentro da UnB,  esse documento, até hoje, em matéria de princípios, é atual. Mostrou,  por exemplo, que havia necessidade de alterações no fluxo de informações  entre as nações e, internamente, em cada país, de maneira a evitar que o  fluxo se fizesse em mão única dos desenvolvidos para os países em  desenvolvimento e, no interior dos países, de cima para baixo,  exclusivamente.
  Além disso, o conceito de notícias deveria ser ampliado de maneira a  não englobar apenas os “acontecimentos”, mas “processos” inteiros. Por  exemplo, a fome é um processo, enquanto uma greve de fome é um  acontecimento. O informe demonstrava a necessidade de criação de  políticas de comunicação que estimulassem e favorecessem processos de  desenvolvimento endógeno, que deveriam beneficiar toda a população,  sendo inadmissível o uso da comunicação apenas para fazer a população  aceitar sacrifícios de um crescimento que nunca viria a beneficiar toda a  coletividade. O informe é muito amplo. [Ver resumo comentado do informe  no volume eletrônico nº 19 no site www.mardias.net. Para o texto completo do informe, buscar em www.unesco.org].  O que ficou foi a tentativa de se definirem as bases para uma nova  ordem mundial de comunicação e o esforço de se definir o que seria o  direito à comunicação, que compreenderia, pelo menos:
  a) o direito de saber e de ser informado;
  b) o direito de transmitir a outro a verdade tal qual cada um a vê;
  c) o direito de debater.
  Para isso, os laços de comunicação eram vistos como essenciais para  formação e desenvolvimento de uma entidade nacional. A comunidade é uma  combinação de grupos diversos do ponto de vista da classe social, da  situação econômica e, muitas vezes, da filiação política ou religiosa,  bem como de atitudes e opiniões. A comunicação assegura a coesão de toda  a comunidade. Se o poder que confere a comunicação é explorado para  reprimir e fazer calar as minorias ou dissimular as divergências reais,  resulta disso uma alienação de uma fração dos cidadãos e, em  consequência, um enfraquecimento da comunidade nacional. Aí também não  se falava em cidadania, mas a base estava toda ali.
  Ação multidisciplinar 
  O livro que professores e pesquisadores da Faculdade de Comunicação  elaboraram será uma referência, sem dúvida. Ele dá um retrato do que  significa, hoje, ao final da primeira década do século 21, a comunicação  para professores e pesquisadores na UnB. E eles ousam fazê-lo em um  momento em que a incerteza é o que prevalece. Face à perda de leitores  dos jornais e ao desaparecimento paulatino dos recursos publicitários, à  supressão de postos de jornalistas, chega-se ao ponto de se anunciar o  fim dos jornais. Sintomático dessa situação é o fato de um jornal que,  desde o início do pós-guerra, no final dos anos quarenta, Le Monde,  era dirigido e controlado pelos jornalistas, agora, para não falir e  desaparecer, é obrigado a aceitar uma recapitalização que,  provavelmente, vai transformá-lo em uma empresa igual a todas as demais,  dependente, para sobreviver, da publicidade e controlada por grupos  econômicos.
  No entanto, o jornal provavelmente não desaparecerá. Terá de mudar,  mais do que já o fez, terá de recorrer a novos instrumentos  tecnológicos, será obrigado a utilizar outra linguagem, mas os caminhos a  seguir não são claros. Ser professor de Comunicação hoje não é tarefa  fácil. O problema é debatido nas páginas deste livro. O leitor terá uma  visão de mudanças que ocorrem neste campo no mundo inteiro e de  tendências que apenas se esboçam. Não há certeza, mas os professores e  pesquisadores da UnB não hesitam em continuar a transmitir aos  estudantes as técnicas conhecidas a serem utilizadas nos meios  atualmente existentes e ousam mesmo lançar-se no campo das perspectivas  com base nos dados e informações atualmente disponíveis. Além disso,  insistem na necessidade de concentrar a atenção na realidade social e  mesmo estimular a utilização das novas tecnologias para o  desenvolvimento de meios de comunicação alternativos. Há um trabalho  teórico profundo, acompanhado de propostas de ações concretas.
  Nos anos 70, o curso de Comunicação da UnB inovou, abrindo campo para  atividades multidisciplinares como as que eram resultantes da interface  entre comunicação e educação e da tentativa de unir o tecnológico e o  social por meio de ações com a Faculdade de Tecnologia, representada  pela figura emblemática do professor Lourenço Nassib Chehab, que aliava a  competência técnica ao conhecimento dos fatores antropológicos e  culturais. Os professores de hoje vão mais longe, enfrentam a realidade  do desenvolvimento técnico e tratam de realidades sociais que se  tornaram importantes, como o tratamento da cidadania depois dos anos 60.  E, com certeza, mais adiante, logicamente, vão acabar também tratando  de problemas que antes não eram vistos como tais, como o da imigração e o  da precariedade no trabalho, esta última objeto de atenção no livro.  Uma ação multidisciplinar e interunidades se imporá nesses campos.
  Amor romântico 
  O livro levanta questões sérias, como a da análise da utilização dos  princípios da cidadania para efeitos exclusivamente mercadológicos, o  que leva também a crer que, no futuro, esses mesmos pesquisadores serão  levados a pesquisar a ação de empresas diversas, tanto privadas como  públicas, que, no Brasil, aderiram ao programa Global Compact, das  Nações Unidas. Uma ação interdisciplinar com representantes de várias  outras unidades da UnB na análise desse tipo de ação seria muito útil na  consolidação das ações reais da cidadania no país.
  Hoje, no mundo inteiro, na área de educação, a grande questão está em  se saber se a educação conseguirá manter-se como um bem público  implementado por instituições que exercerão um serviço e uma função  pública. O desenvolvimento da internet favorece a comercialização da  educação e, nas organizações internacionais, estimula-se a aceitação dos  esforços da Organização Mundial do Comércio em transformar educação, em  particular o ensino superior e o ensino à distância, em mercadoria. O  serviço público, tradicionalmente, requer que seja prestado a todos, de  maneira permanente e com capacidade de adaptação às modificações da  sociedade, inclusive as transformações tecnológicas. O combate é grande  para se manter a ideia de serviço público em educação, mas se trata de  um combate necessário.
  O livro menciona a questão do jornalismo e da comunicação também como  serviços públicos e esse é um tema fundamental. Recentemente, a  Universidade das Nações Unidas decidiu criar um instituto de formação e  pesquisa em Barcelona. Tratará do diálogo intercultural baseado na  diversidade e na aceitação do outro, mas dará uma atenção especial, em  suas ações, à educação e à comunicação, por meio da ação da mídia.  Seguramente, em algum momento, juntamente com os professores de educação  da universidade, esses pesquisadores serão levados a reforçar a  preocupação em formar os cidadãos à cidadania, sabendo que, para isso,  uma formação específica terá de ser prevista para a utilização da  pletora de informações que são postas à disposição de cada um de nós.  Hoje, o risco é grande de que o indivíduo se perca diante de tudo o que  está disponível.
  O livro dos professores de Comunicação da UnB revela sua capacidade de  tratar de questões que afetam o indivíduo humano em sua integralidade e,  para isso, analisa inclusive o tema do amor romântico em Hollywood,  que, como se assinala, “com alcance quase mundial, configura-se como uma  das principais fontes para ecoar comportamentos, atitudes e maneiras de  ser e viver”. Além de ser capaz de dar uma visão de conjunto sobre os  estudos de comunicação na UnB hoje, este livro inclui um toque  profundamente humanista. Ainda que alguns não o queiram admitir, o amor  romântico tem um peso fundamental no desenvolvimento e na construção de  cada ser humano.
  Por fim, em síntese, os professores de Comunicação da UnB buscam  estimular o realismo sem deixar de lado a utopia, necessária para se  transformar o mundo e para se criar uma sociedade melhor e mais justa. O  caminho está certo.
FONTE: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o-realismo-sem-deixar-de-lado-a-utopia
 
 
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