sexta-feira, 23 de julho de 2021

JACOBINA E OS 141 ANOS DE “EMANCIPAÇÃO POLÍTICA”.

Foto: www.google.images


A cidade é imediatamente, de fato, a concentração da população, dos instrumentos de produção, do capital, dos prazeres, das necessidades, ao passo que o campo torna patente precisamente a realidade oposta, o isolamento e a solidão” 
(A ideologia alemã, 2009).

        Resolvemos escrever essa breve reflexão para ponderar acerca das coisas que envolvem a chamada “emancipação de um cidade” e os respectivos interesses e representações que os grupos sociais fazem sobre esta condição.

        No texto anterior, publicado no site Observatório de Jacobina, levantamos algumas considerações sobre a ruptura histórica que envolvia o processo político eleitoral no ano de 2020, naquele episódio, fizemos uma leitura dentro dos grupos políticos hegemônicos denominados Jacús e Carcarás. Deste modo, queremos retomar algumas coisas importantes que foram pontuadas de forma subjacente naquele texto.

        Em primeiro lugar, o principal traço que mobiliza os meios de comunicação e seus atores a promoverem sentimentos de orgulho e autonomia em relação à cidade, reside na condição de autonomia (administrativa, financeira e política) atribuições que foram conferidas a partir de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal do Brasil, ou seja, todas as cidades passaram a gozar de recursos próprios em seus cofres, isto é, autonomia para gerir estes recursos mediante aprovação eleitoral.

        É neste contexto que a emancipação municipal desencadeou uma corrida desenfreada pelo poder e o acesso ao que denominamos “a chave do cofre”. Do ponto de vista prático, a comemoração da emancipação de uma cidade só interessa materialmente aos grupos que desde 1988 controlam e conquistam o poder em diversas cidades do interior da Bahia. Na prática, o que muda são as narrativas, muito pouco no formato de gerir as cidades foi modificado, em grande parte, as práticas refletem o cenário do período que antecedeu a redemocratização do país, os antigos coronéis representados por suas famílias e empresas, migram a seu bel prazer de uma esfera política para outra, mantendo sua hegemonia sobre as administrações e controle “material e espiritual¹” das cidades.

        Portanto, quando somos convidados a entrar na atmosfera de comemoração emancipatória, precisamos refletir sobre quais elementos caminham pelo pano de fundo desta tal “emancipação”. Em segundo lugar, precisamos entender que tipo de benesses materiais a sociedade em sua maioria, tem recebido nestes supostos 141 anos de emancipação. Vejam bem, trata-se praticamente um século e meio de “emancipação” e quais são as verdadeiras conquistas que a comunidade jacobinense e região tem recebido para se sentirem na obrigação de comemorar? Ao que parece, nossa cidade, possui belos castelos erguidos em sua sede, muitos deles para serem alugados às custas de recursos públicos, inclusive, em alguns casos, estes bens levantam uma série de dúvidas sobre a sua condição particular ou pública, no que tange aos meios de sua gênese. Além disso, a cidade possui o título de “cidade mãe” cidade polo, cidade do ouro, esses atributos ao longo de quase dois séculos conseguiram tornar nossa cidade de fato emancipada, humanizada, menos desigual? As estruturas físicas de escolas, creches, hospitais, feiras livres, praças, estradas (rurais e urbanas) dentre outras questões básicas refletem a tal emancipação? Até que ponto as riquezas de nosso município são transformadas em benefícios reais e concretos para os seus munícipes? Quem souber responder, ganha um “chocolate copenhagen”.

        É importante lembrar que independente de sua reposta ser positiva ou negativa, a verdadeira emancipação e libertação de uma cidade não se dá por meio de heróis, mitos, personagens ou discursos moralistas, esses só servem para esconder o verdadeiro desejo que move boa parte dos atores políticos sociais: o Poder. De um lado, o que de fato pode libertar e emancipar uma cidade é o sentimento de comunidade, de pertencimento e respeito pela coisa pública, por outro lado, uma auto fiscalização cidadã, o fortalecimento de conselhos, associações e cooperativas não submissas aos eventuais caprichos pessoais de seus líderes, mas organizadas em torno de demandas coletivas, verdadeiramente isonômicas. Aparentemente, num exame material e espiritual objetivo do contexto jacobinense, facilmente percebemos que estamos um tanto longe de conquistar esta dita emancipação, entretanto, a mobilização e o engajamento atrelado ao uso das ferramentas virtuais e físicas, podem auxiliar na superação destes dilemas.

        Por fim, acreditamos que seja de grande importância incitar festejos e entretenimento pela passagem de datas comemorativas, contudo, é essencial estarmos alertas acerca da impressão que se constrói em torno das emancipações das cidades. Junto a tais festejos, almejamos também a construção de fóruns, debates, exposições artísticas, peças teatrais, dentre outras linguagens que permitam outras compreensões e sentidos sobre a emancipação de uma cidade e seu povo, em outras palavras, a construção de momentos de reflexão coletiva e interações transparentes sobre o verdadeiro conceito de emancipação e quais caminhos se deve trilhar para que as gerações futuras possam, um dia, viver uma emancipação concreta em sua cidade.

        Dito isso, a verdadeira emancipação somente pode ser concretizada, no dia que a maioria dos cidadãos compreenderem que a “chave do cofre” é de responsabilidade de todos e todas, logo, através de um movimento amplo de consciência coletiva, buscar meios de emancipação política da Jacobina e dos seus integrantes, num movimento que envolva o aniquilamento de paixões historicamente materializadas em prol de pequenos grupos emancipados. A partir deste dia, podemos dizer que vivemos e temos uma cidade EMANCIPADA.

Saudações Democrática, Dayvid Sena.




1 A referência ao termo material e espiritual se fundamenta na premissa desenvolvida por Marx e Engels (2009) no livro a Ideologia Alemã, onde os mesmos afirmaram que a classe que detêm os bens materiais (empresários, industriais, coronéis, clérigos religiosos) ou seja, a classe dominante, teria ao mesmo tempo o poder espiritual. Aqui a palavra Espiritual não carrega o sentido cristão, mas o conceito de saber, conhecimento, informações que seria dominantes sobre a sociedade, em nosso caso, sobre a cidade e seus atores.